"Nunca é tarde, sempre é tarde" De Silvio Fiorani

Conseguiu aprontar-se mas não teve tempo de guardar o material de maquiagem espalhado sobre a penteadeira. 

Olhou-se no espelho. 
Nem bonita, nem feia. 
Secretária. 
Sou uma secretária, pensou, procurando conscientizar-se. 
Não devo ser, no trabalho, nem bonita, nem feia. 
Devo me pintar, vestir-me bem, mas sem exagero. 
Beleza mesmo é pra fim de semana. 
Nem bonita, nem feia, disse consigo mesma. 

Concluiu que não havia tempo nem para o café. 
Cruzou a sala e o hall em disparada, na direção da porta de saída, ao mesmo tempo em que gritava para a mãe envolvida pelos vapores da cozinha, eu como alguma coisa lá mesmo. 
Sempre tem alguém com alguma bolachinha disponível. 
Café nunca falta. 
A mãe reclamou mais uma vez. Você acaba doente, Su. Assim não pode. Assim não. 
Su, enlouquecida pela pressa, nada ouviu. Poucas vezes ouvia o que a mãe lhe dizia. 

Louca de pressa, ia sair, avançou a mão para a maçaneta da porta e assustou-se. 
A campainha tocou naquele exato momento. 
Quem haveria de ser àquela hora? 
A campainha era insistente. Algum dedo nervoso apertava-a sem tréguas. A campainha. 

Su acordou finalmente com o tilintar vibrante do despertador Westclox e se deu conta de que sequer havia levantado. 
Raios. 
Tudo por fazer. 
Mesmo que acordasse em tempo, tinha sempre que correr, correr. 
Tinha tudo cronometrado, desde o levantar-se até o retoque do batom e o perfumezinho final. 
Exploit de Atkinsons. Perfume quente. 
Mais ou menos quente. 

Esqueceu onde havia deixado o relógio de pulso. 
Perambulou nervosamente pela casa procurando-o. 
Atrasou-se alguns preciosos minutos. 
A mãe achou-o sobre a mesinha do telefone. 
Su colocou-o no pulso. Viu as horas. 

Havia conseguido aprontar-se, mas não dava tempo de guardar o material de maquiagem espalhado sobre a penteadeira. 
Olhou-se no espelho. 
Nem bonita, nem feia, pensou. 
Vou ficar bonita mesmo no sábado. 
Não havia tempo nem para o café. 
Cruzou em disparada a sala e o hall, em direção à porta de saída, ao mesmo tempo em que gritava para a mãe, bolachinha disponível. 
Avançou a mão para a fechadura e assustou-se com o toque insistente da campainha. 
Algum dedo nervoso. 

O Westclox. 

Su acordou e deu-se conta mais uma vez da trágica e permanente verdade de que ainda não estava pronta. Levantou-se de ímpeto. 
Correu ao banheiro, voltou do banheiro, vestiu-se com a roupa estrategicamente deixada sobre a cadeira na noite anterior. 
Ao sentar-se mais uma vez em frente ao espelho, notou que, embora não tivesse ainda se pintado, o material de maquiagem já estava espalhado sobre a penteadeira. 
O batom aberto e usado, o Exploit desastradamente destampado, evaporando. 

O despertador tocou novamente. 
Ou tocou finalmente? 
E estava com toda corda, pois demorou a silenciar. 
Mesmo assim, Su andou pela casa toda, tentando desesperadamente acordar-se. 
Ocorreu afinal a idéia de pedir ajuda à mãe. 
Esta, envolvida pelos vapores da cozinha, mostrou-se compreensiva. 
Está bem, Su. Espere só um instantinho que eu vou lá no quarto te acordar.

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